quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

A BELA JANDAIA DO SUL



Estou a caminho, na estrada. À medida que o tempo passa, a distância vai diminuindo. 
Qual é o meu destino?  Uma cidade.  Não, não é a cidadezinha drumondiana, mas com certeza, ela tem alguma coisa em comum, de tal forma que me leva compará-la, cada vez que me deparo com  a “Cidadezinha Qualquer”.  
Enquanto percorro as curvas da estrada que deslizam sobre o terceiro planalto paranaense, vou contemplando o belo cenário, a visão panorâmica do vale que ao fundo, juntam-se ao céu azul, as plantações e alguns morros que a natureza caprichosa ali desenhou.
Meus olhos vão filmando o horizonte mesclado pela terra vermelha. Este, está quase todo tomado pelas plantações que matizam diferentes tons esverdeados.                                  
Eu já vi este chão coberto por cafezais, por tantas plantações diversas, pelos canaviais, pelas pastagens, e até por muito gelo; de granizo e de geadas.
À minha direita, o horizonte estende um tapete verde que ainda está molhado pela névoa tão alva que se eleva sobre Vale do Ivaí.  À esquerda, os campos se perdem ao longe em direção ao Cruzeiro.  Enquanto ganho a estrada, as cortinas do palco da vida vão se abrindo.  Já posso ver o alto da São Roque, veia que conduziu tantas alegrias nos tempos de infância.  Ali por perto está o Armazém do IBC, e me recordo, que sempre exalava um cheiro marcante de café seco.  Alguns graus no ângulo e já me aproximo, estou em direção ao centro da pequenina Jandaia.    Ainda vejo, um pouco mais ao fundo, lá no alto, a torre da igreja.    Não, não é uma qualquer, mas sim, a bela Igreja Matriz.  Lá, mais parece um farol que ilumina em todas as direções. O imponente monumento construído pelos pioneiros jandaienses, continua belo e bem cuidado.  Ali está incrustado como um diamante, testemunhando cada amanhecer.   
Já estou chegando na Getúlio Vargas.  Deste ponto a vejo quase por inteira. 
Mas que sensação é esta?   Algo que me faz sentir num tempo que não é meu. Que engraçado. Conforme avanço, meus sentidos vão ficando encharcados pelas marcas do tempo.  Vejo que o espaço toma forma daquilo que o tempo um dia apagou.
Uma névoa tão densa, tão úmida, vai tomando conta de mim.  Insisto, mas meus olhos pesam, me esforço, mas minha resistência vai ficando cada vez mais enfraquecida.   Estou entregue ao destino, e ele não parece estar disposto a entender e atender meus murmúrios.
Das perguntas que faço, a nenhuma delas tenho respostas.  
Uma brisa fresca, com um aroma incomparável, toma conta.  A névoa de outrora vai se dissipando.  Aos poucos vou recobrando os sentidos.  Tateando, sinto ao meu redor folhas misturadas ao cheiro verde das matas.  O espaço ainda parece confuso, mas sinto que estou em outra dimensão, a de um tempo que não é meu.  Vejo as barras dos vestidos longos, que se arrastam sobre o solo vermelho. Correm ligeiras, mulheres virtuosas, Marias de seus Josés, meninas, mulheres, esposas e mães, prontas em juntar forças, e em comunidade, construírem os sonhos com suas famílias. 
Estou ali. Eu as vejo, mas percebo que não sou vista.  Quero entender o que está acontecendo, mas estas respostas ficam suspensas num mistério sem fim.
Estão todas tão ocupadas. Umas correm com a lenha e que acomodam ao fogão de taipa, enquanto outras lavam as indumentárias sertanejas, junto a bica de água da mina. 
Próximo dali, o riacho.  Não, não é o riacho poluído que desemboca em nossos rios.    Não, neste, a água é cristalina, contaminada apenas com a pieguice das crianças que ali brincam felizes. 
O clima fresco emoldura o cenário. A vida acontece. A água vinda da fonte, do veio da terra escorre e serpenteia pelo solo.  É certo que estando ali, dali não tenho vontade de sair.
Que realidade é esta?   De onde veio?  De qual livro de história?   De qual filme?  As respostas? Nenhuma.
O entardecer vai chegando bem devagar, escondido atrás das árvores de folhas tão verdes. O sol ainda reluta e tenta adiar o anoitecer, mas as nuvens que passeiam pelo céu tão azul, implacáveis, e o crepúsculo confirma: já é tarde. Enquanto isso, ecos de alegria, das crianças vão subindo em direção da lua, e de lá vão surgindo o caminho das estrelas; da Dalva, das Três Marias e do Cruzeiro do Sul.  Aos poucos vão se juntando o povo daquele lugar: são pais, filhos, irmãos, primos e os agregados
Com suas vestes encharcadas pelo suor juntado ao longo do dia, também escondem o cansaço e a alegria de serem desbravadores nesta terra.
Em seus olhares sedentos de vida, mostram que ali estão homens de fibra, dotados de uma força descomunal, da bravura, da ânsia profunda e apaixonante em desbravar as matas, em semear nos veios de seu solo. Semeiam sonhos, oferecem de corpo e alma o próprio sangue. Derramam gota por gota de seu suor, para mais tarde ceifar a grande colheita.  
E esses homens e mulheres não tem a menor noção de onde seus sonhos irão chegar. Não imaginam que o tempo perpetuará tanto labor.  Estão ali, cheios de vontade, cheios de metas, embrenhando-se nas matas, gritando seus medos no meio das florestas, pedindo para o universo escutar e para Deus ouvir e abençoar. 
O anoitecer os abraça e o cansaço os vence.  A noite os acalenta.  
O dia amanhece e dá as boas-vindas aos pioneiros, primeiros habitantes das terras loteadas e vendidas parceladas em Réis, pela Companhia Inglesa de Lord Lovat.

As casinhas avisam através da branca fumaça das chaminés, que mais um dia começa.
O gole de café quente, escorre pela garganta acordando os sentidos. Os homens saem com suas ferramentas para mais um dia de árduo trabalho.
Conforme percorro a trilha batida de rumo incerto me deparo com uma clareira aberta na mata, marcando o chão a perder de vista.  Sob este, estão uma infinidade de guerreiros. Estes, batem as ferramentas num ritmo acelerado, de quem tem pressa do progresso. 
Lá se juntam homens de todas as idades e laboram enquanto seus corpos vão sendo salgados pelo suor e pelas lágrimas: de alegrias, de saudades e da dor nas mãos calejadas.
Agitados, correm de um lado a outro, batem as mãos e os pés, riem, cantam, e gritam para espantar as dificuldades.  Batem, serram, socam, carregam, martelam, e aos poucos forjam os trilhos do progresso.   E o tempo traz o milagre, a esperada conexão do mundo verde rural ao urbano tão distante. 
Eis que ecoa pelos ares, o canto dos pássaros e maritacas jandaienses festejam e enfeitam o céu tão azul.  O apito da primeira Maria Fumaça anuncia o progresso. Nela embarco e para retornar. 
Lá estão, lá ficarão, fascinados e extasiados pela alegria cada vitória.   Homens e mulheres, Josés e Marias, seguirão seus destinos amalgamados para sempre nessa epopeia, nessa história que continua sendo escrita por todos que aqui viveram, vivem e viverão.  É festa no céu, é festa na terra, é festa na Praça do Café.
Nos trilhos do progresso, há 64 anos, o pequeno povoado continua crescendo, vai sendo diariamente construído por seu povo,  que a compõe e aqui segue esculpindo  A BELA JANDAIA DO SUL.


Por Lúcia de F. M. Peres

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